Quando eu era estudante de medicina, falava-se muito de um famoso clínico que, chegando ao quarto de um paciente até então desconhecido para ele, farejou o ar e proclamou:
- Este homem está em coma diabético.
Estava mesmo. Como é que o doutor sabia? Nenhum mistério aí. Quando o diabete escapa do controle, o organismo elabora substâncias parecidas com a acetona. Era esse cheiro de acetona que permitia ao médico fazer o diagnóstico. E ele não estava sozinho: seguia uma tradição da medicina francesa, surgida no século 19, que recomendava olhar, escutar e também cheirar o doente. E isso, em Paris, era uma atitude isolada; os cheiros de Paris, que não eram poucos nem agradáveis, começaram a ter importância, e não é de admirar que a França se tenha transformado no país dos perfumes. As pessoas de elite esforçavam-se por disfarçar o que, no Brasil, já foi conhecido como CC, cheiro do corpo. Quem fedia era o pobre. Rico também não tomava banho, mas rico tinha perfume. Tudo isso é contado pelo historiador francês Alain Corbin, num livro lançado há alguns anos no Brasil pela Companhia das Letras, Saberes e Odores. Foi nesta obra que se inspirou Patrick Süskind para escrever o best-seller O Perfume, agora transformado em filme.
Mas o olfato não é apenas um instrumento médico ou um diferenciador social. O olfato é fonte de emoções. Marcel Proust dizia que, quando nada resta do passado, quando as pessoas já morreram e as coisas se deterioram, o cheiro persiste, introduzindo-nos ao imenso edifício da memória.
De novo, isto não acontece por acaso. O olfato não consiste somente em sentir odores, em dizer se são agradáveis ou não; olfato consiste, como diz Proust, em evocar "o tempo perdido" através do cheiro. É o nosso próprio sistema nervoso que o condiciona; os receptores do olfato, no cérebro, estão diretamente conectados com o sistema límbico, que é uma parte muito antiga deste cérebro e é também uma das principais sedes da emoção - emoção que, por isso, está ligada ao cheiro. Cheiros agradáveis nos alegram; cheiros desagradáveis nos aborrecem e até nos deprimem. Bebês e suas mães se reconhecem mutuamente pelo cheiro; cachorros farejam o medo em pessoas. É diferente o cheiro de suor de pessoas que viram filmes alegres e de pessoas que viram filmes tristes. Há quem tire proveito dessa associação entre odor e emoção; num cassino de Las Vegas, as apostas numa máquina caça-níqueis cresceram 45% quando se colocou nessa máquina uma substância com cheiro agradável.
Agora: o que é cheiro bom, o que é cheiro ruim? As respostas variam. Tem gente que gosta do cheiro da gasolina e não gosta do cheiro das flores. Mas provavelmente existe uma unanimidade em relação aos gases intestinais, que às vezes até provocam problemas. Há pouco tempo, a bordo de um avião da American Airlines, uma passageira tentou disfarçar o odor de seus malcheirosos flatos acendendo fósforos, o que é proibido, e acabou levando a um pouso de emergência; não era terrorismo, mas funcionou como se fosse terrorismo. Sei de uma situação em que uma pessoa usou o truque da chama para tentar disfarçar o mau odor num banheiro e acabou ateando fogo ao lugar. Pensando bem, em certos momentos um pouco de anosmia, a incapacidade de sentir cheiros, até que seria bem-vinda.
Fonte: cartamaior.com.
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